Valmir Nascimento

Devido ao seu crescimento numérico nas últimas décadas a comunidade evangélica tem sido considerada, a cada nova eleição, um ator social importante no processo político-eleitoral. Reiteradamente a mídia e especialistas da ciência política utilizam expressões como “o poder evangélico”, “a força evangélica”, “o impacto do voto cristão” e “a força pentecostal”, em alusão à crescente influência dos evangélicos na dinâmica eleitoral e no processo de escolha dos representantes do povo.

Tal cenário nos leva a refletir acerca do engajamento sadio do cristão no ambiente político. Tal inserção representa um enorme desafio, especialmente para nós, pentecostais, historicamente conhecidos pelo afastamento das questões públicas. Isso porque, uma saída abrupta da prática privatizada e da concepção apolítica, para quem as questões eleitorais “não era coisa de crente”, para uma atuação de ativismo e messianismo político, sem antes passar por um processo de amadurecimento alinhado aos princípios bíblicos, pode representar um grande risco tanto ao testemunho cristão quanto à teoria política contemporânea.

Antes de apresentar algumas diretrizes sobre o exercício do voto pelo cristão, devo lembrar que a construção de um modelo de participação política biblicamente adequado e politicamente saudável deve partir de uma perspectiva sólida das Escrituras acerca do relacionamento do cristão e da comunidade eclesiástica com a sociedade e com o próprio Estado, a fim de formar um modelo de influência cristã expressiva sobre o governo, com ética e respeito, sem buscar interesses próprios.

O ponto de partida reside em saber que ao mesmo tempo em que as Escrituras afirmam que a nossa cidade está nos céus (Fp 3.20; Hb 13,14), asseguram também que somos peregrinos neste mundo (1Pe 2.11). Não há qualquer contradição nessas verdades bíblicas, pois elas simplesmente enfatizam o desafio do servo de Deus em viver de forma transitória na esfera terrenal. A dupla cidadania do cristão, celestial e terrena, é uma compreensão elementar. Isso significa que os crentes não podem estar alienados da sociedade e das questões sociais, políticas e econômicas. Como cidadãos deste planeta e embasados em uma visão de mundo eminentemente bíblica, devemos respeitar as leis e participar das discussões do cenário político, influindo nos temas da sociedade e do governo.

A conscientização dos crentes a respeito da importância da participação política, contudo, não significa a união entre o Estado e a Igreja. A propósito, o Senhor Jesus estabeleceu a clara separação entre esses dois entes ao ordenar: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Lc 20.25). Tais palavras reforçam tanto a responsabilidade espiritual quanto social, enfatizando que Igreja e Estado possuem papeis bem distintos. A igreja deve influenciar o governo, mas com ele não se confunde. Quando o Estado tenta intervir na igreja, ou vice-versa, os prejuízos são inevitáveis, com implicações que afetam a consistência doutrinária da cristandade, como bem atesta a história do cristianismo.

As Escrituras também nos admoestam a obedecer às autoridades (Rm 13.1,2), respeitando as leis e o governo civil, pois toda autoridade provém do Altíssimo e foram ordenadas por Ele (v.1), por isso o conselho paulino para intercedermos pelos governantes (1Tm 2.1-4). Contudo, tal obediência não pode ser cega e irrefletida. Todas as vezes que o Estado confrontar os princípios morais e espirituais decorrentes da Palavra, o cristão deve se preocupar em obedecer mais a Deus que aos homens (At 5.27-29), pois a sujeição à autoridade humana deve ser feita por amor ao Senhor (1Pe 2.13).

O maior instrumento para o exercício da responsabilidade política do cristão nos tempos atuais é o voto. Por meio dele elegemos as autoridades do país, do país ao vereador do município ao do presidente do país.

Os discípulos de Cristo devem votar de forma livre e consciente, o que implica em exercer o direito ao voto de modo refletido e com senso de responsabilidade, na busca pelo atendimento do interesse público (Fp. 2.4), à luz dos valores morais e espirituais extraídos das Escrituras.

Na prática, isso sugere que o voto deve ser precedido da avaliação dos candidatos e de suas propostas de governo, optando por aqueles que defendam princípios que estejam em consonância com os valores morais contidos na Palavra (Pv 2.8.28). Evidente a importância de se investigar a ideologia do candidato e de seu partido político, para não correr o risco de votar em candidatos que defendam propostas e projetos imorais que afrontem a família e os princípios éticos cristãos (2Tm 3.1-7).  Lembre-se que ao votar no candidato, você também estará votando no seu partido político, podendo ajudar a eleger outros candidatos.

Devemos privilegiar candidatos que defendam a moral, os bons costumes, a família tradicional, a dignidade da pessoa humana e a defesa das liberdades, inclusive religiosa.

É preciso ainda ter cuidado com os falsos “políticos evangélicos”. Aproveitando-se do crescimento dos evangélicos no país, muitos candidatos assim se apresentam a fim de conquistar o eleitorado das igrejas cristãs. Esse contexto exige discernimento. O simples fato de alguém se apresentar como “irmão” não é suficiente para merecer o voto dos fiéis. Até mesmo tais candidatos precisam passar pelo crivo da avaliação, para averiguar se possuem compromisso com o Reino, bom testemunho público e capacidade para a atuação política.

É dever do cristão não negociar o seu voto.Vender o voto é o mesmo que barganhar a consciência. Além de ser sinal de egoísmo (Gl 5.20), visando o benefício pessoal, é também um ilícito eleitoral. Convém lembrar que se considera “venda de voto” não somente o recebimento de dinheiro em espécie, mas toda e qualquer vantagem pessoal, inclusive bens e ofertas de emprego.

A melhor atuação política da igreja deve ser por meio da conscientização e orientação dos seus membros, para que votem com ética e discernimento bíblico. Cabe à liderança o ensino adequado da política à luz das Escrituras, enfatizando a importância da politização sadia dos crentes e o envolvimento com as questões públicas. O púlpito não é lugar para propaganda eleitoreira, e a igreja de Deus (Gl 1.13) não é trampolim político, mas a coluna e firmeza da verdade (1 Tm 3.15). Aliás, cabe lembrar que a legislação eleitoral veda a realização de propaganda política dentro do templo.

Finalizo destacando que a influência da religião evangélica no processo eleitoral, não deve ser, dentro dessa tradição teológica, uma estratégia de tomada de poder, e sim uma participação construtiva, propositiva e até mesmo questionadora, em defesa da justiça e de seus valores e princípios bíblicos, conscientizando os crentes para o exercício do direito ao voto de maneira livre e consciente, para a glória de Deus.

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