Ética cristã e política: Uma perspectiva pentecostal


Valmir Nascimento Milomem Santos

O crescimento do movimento evangélico brasileiro, aliado às novas tendências doutrinárias e comportamentais decorrentes da hegemonia pentecostal/neopentecostal, contribuíram para que tais religiões passassem a marcar presença decisiva na esfera pública, como atores relevantes na agenda sociopolítica do país. Na perspectiva da ciência política – e em um Estado Democrático Direito, não há dúvidas quanto à legitimidade dos atores religiosos poderem influenciar o debate político-eleitoral. Para além da historicidade e da realidade sociocultural, em virtude da expansão desse segmento no Brasil, a presença das religiões é também um ingrediente indispensável para o debate e amadurecimento das ideias que emergem durante a campanha política, período esse idealizado com o objetivo dos candidatos exporem à sociedade – via propaganda eleitoral – tanto seus projetos de governo quanto os princípios de natureza ética que embasam suas visões de mundo. Projetos de governo e propostas de políticas públicas não advém de um vácuo axiológico, mas partem de premissas éticas subjacentes que fornecem as diretrizes de agir do candidato e do seu partido político, o que torna natural o questionamento, a busca de informações e até mesmo o enfretamento por parte dos eleitores em relação às ideias dos candidatos.

No entanto, apesar dessa legitimidade, é preciso discutir até que ponto, a religião – nesse caso, a religião evangélica de matriz pentecostal – poderia atuar, dentro de uma postura socialmente adequada e teologicamente consistente. Essa reflexão é necessária para garantir o engajamento político sadio e relevante na arena comum, com base em princípios que regem a participação democrática, assim como para afixar limites que assegurem a consciência individual dos cristãos e a identidade eclesiástica das igrejas pentecostais, sem se perderem nos jogos de poder e nas disputas partidárias e ideológicas.

Tal análise se faz necessária porque, talvez, no processo de inserção do pentecostalismo na praça pública estejam os maiores desafios da Teologia Pentecostal contemporânea nesse início do Século XXI. Diante do seu crescimento numérico e a capacidade que passam a adquirir de influenciar a esfera pública (econômica, social e politicamente), as igrejas de tradição pentecostal correm o risco de, dentre outros aspectos, serem seduzidas pelos seguintes fatores

  • desejo de dominação política, com base em perspectivas teocráticas e dominadoras, pondo em risco o princípio democrático;
  • ambição de benefícios próprios, aplicáveis aos círculos denominais, em detrimento do bem comum;
  • propostas e ofertas de partidos políticos e candidatos, aliando-se a determinadas ideologias que destoam do Cristianismo ortodoxo;
  • ilusão de messianismo político, de modo a colocar as esperanças neste ou naquele candidato; e
  • pela visão espiritualista da disputa eleitoral, compreendendo o processo eleitoral eminentemente com uma batalha espiritual e o adversário como inimigo demoníaco.

O risco dessa inserção na arena política é ainda mais agravado ao se perceber o perigo que representa – tanto ao testemunho cristão quando à teoria política – uma saída abrupta da prática ascética, privatizada, experiencial e, via de regra, apolítica – que sempre predominou nos circulo pentecostais – para uma atuação de ativismo público e politico, sem, antes, passar por um processo de amadurecimento e disseminação de suas bases doutrinais, especialmente aplicada à teologia política. Afinal, embora se reconheça o recente crescimento do labor teológico pentecostal, com ênfase na doutrina do Espírito Santo (pneumatologia), o pentecostalismo ainda não goza de tradição na aplicação de seus pressupostos pneumatológicos às demais esferas da sociedade, notadamente no ambiente político.

Há, com efeito, pouca produção da teologia pentecostal aplicada à teologia política. Amos Yong, que talvez seja um dos poucos teólogos pentecostais a investigar essa área com profundidade, em seu livro In the Days of the Caezar: Pentecostalism and Political Theology conquanto distinga pelos menos três posicionamentos no relacionamento entre pentecostalismo (em sua dimensão global) e política[1], reconhece que poucos teólogos pentecostais têm buscado desenvolver uma teologia política a partir da metodologia e hermenêutica pentecostal, especialmente em razão da tradição oral do pentecostalismo e a sua recente chegada ao meio acadêmico[2]. Tais fatores, aliados ao pluralismo do pentecostalismo global, segundo Yong, dificultam articular uma auto-compreensão eclesial da identidade e da metodologia da teologia pentecostal[3]. Não obstante, segundo Amos Yong, embora se suponha que o pentecostalismo seja uma teologia baseada na experiência, espiritualidade ou piedade, é possível se extrair dela implicações normativas para a fé cristã em praça pública[4]. Ele afirma que uma reflexão teológica distintamente pentecostal não é apenas uma atividade paroquial, “mas tem potencial construtivo para iluminar a crença e a prática cristã no século XXI”[5]. Em outras palavras, conforme Yong, é possível desenvolver uma teologia politica pentecostal, a partir da metodologia do Evangelho pentecostal quíntuplo.

DIRETRIZES PARA UMA ATUAÇÃO POLÍTICA COERENTE: EM DIREÇÃO AOS PRESSUPOSTOS DA REFORMA PROTESTANTE E DE VOLTA AO PENTECOSTALISMO CLÁSSICO

A primeira diretrizpara o desenvolvimento de um relacionamento saudável entre pentecostalismo e a arena política-eleitoral principia com a rejeição e o enfrentamento dos efeitos eclesiais do fenômeno da neopentecostalização sobre as igrejas pentecostais históricas, de modo a resgatar a sua teologia pentecostal clássica. Isso porque, sob o prisma político, a teologia neopentecostal traz uma grande repercussão nas práxis dos seus adeptos no que tange à compressão do governo secular, notadamente em decorrência da assunção da teologia do domínioda sociedade e a visão espiritualista e dicotômica do mundo.

A teologia do domínio[6]assume, mediante uma interpretação de Deuteronômio 28.13, que Deus colocou o seu povo por cabeça e não por calda, razão pela os crentes devem dominar a sociedade, inclusive o mundo político. Consequentemente, essa perspectiva teológica “dá as mãos a sistemas opressores que tentam espoliar mercadologicamente os fieis, tentando exercer domínio sobre os mesmos, como também se apropria dos instrumentos político-econômicos para obter influencia e exercer poder nos vários segmentos da sociedade”[7]. No âmbito eleitoral, tal pressuposto pode resultar em abuso político, pressão psicológica e estratégias de dominação, distorcendo, com isso, os preceitos que devem reger a teoria política em uma sociedade laica e até mesmo as normas eleitorais, ao tempo em que desconsidera os corolários advindos da tradição cristã de manter separadas as esferas política e o religiosa.

Por seu turno, a visão espiritualista e dualista do mundo encara a disputa eleitoral em termos de batalha mística, instaurando uma verdadeira “guerra santa” com contornos politizados. Há uma tendência em divinizar um lado da disputa e satanizar/demonizar o outro, assim como eleger certo messias político, em quem se deposita as esperanças para os problemas sociais. Aqui, a passagem bíblica de Efésios 2.12 é levada às últimas consequências: “Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”. Logo, enquanto os candidatos – inclusive líderes religiosos – apoiados pela igreja representam as forças celestiais do bem, os ungidos de Deus, os adversários ou opositores são retratados como “hostes espirituais da maldade”. Amos Yong identificou nessa postura espiritualista a prática de demonizações politicamente inadequadas para o tempo presente, que se insurge contra tudo aquilo que contrasta os valores pentecostais[8], provocando, assim, um clima de beligerância política. Tal demonização, segundo Yong, atinge um nível mais explosivo em ambientes religiosamente pluralistas, em que o lado demonizado é outra tradição religiosa[9]. A partir desse panorama Yong afirma que “os pentecostais devem repensar algumas de suas noções tradicionais, especialmente a tendência de demonizar os adversários políticos, se eles vão se envolver na esfera pública e política de uma forma mais responsável em seu segundo século de existência”[10].

E isso nos leva à segunda diretrizpara o desenvolvimento de um relacionamento saudável entre pentecostalismo e a arena política-eleitoral: a retomada da tradição que advém do protestantismo. Isso porque, além de descender historicamente da Reforma Protestante, a experiência recente demonstra que as igrejas históricas mantêm um relacionamento mais adequado com a esfera pública, a par de uma ética protestante.A assunção dessa ética protestante ajudaria a estabelecer limites éticos referente à atuação da igreja na seara eleitoral. Nesse sentido, em primeiro lugar, seria possível identificar umlimite institucionalna influência da religião evangélica sobre o processo eleitoral, separando as esferas do Estado e da igreja como entes autônomos e distintos. Freston resume essa ideia no título de seu livro: Religião e política, sim; Igreja e Estado, não. Segundo Freston,“a política não deve ser meio de fortalecer uma religião em detrimento de outras, mas dizer que a religião em si nada tem a ver com a conduta da política é lógica e historicamente falso”.[11]Isso porque o protestantismo clássico não advoga uma teocracia política com a assunção do poder estatal pela igreja, do tipo impositiva, mantendo, ao contrário, a ordenança de “dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. A influência da religião evangélica no processo eleitoral, não deve ser, dentro dessa tradição teológica, uma estratégia de tomada de poder propugnada pela teologia do domínio, e sim com uma participação construtiva, propositiva e até mesmo questionadora, em defesa da justiça e de seus valores e princípios bíblicos, sem que a organização religiosa tenha que assumir algum tipo de comando político. Afinal, para os reformadores protestantes, lembra Freston, “não era necessário que um governante fosse convertido. Nessa perspectiva, os governantes não precisam necessariamente pertencer a uma dada igreja evangélica para que possam exercer com zelo e justiça o cargo público para o qual foi eleito, pois segundo a leitura de Romanos 9.17 “não há autoridade que não venha de Deus”.

O modelo adequado de relacionamento entre a comunidade eclesial e a política é, segundo Wayne Grudem, o modelo político de “influência cristã expressiva sobre o governo”[12], conforme os padrões morais de Deus e conforme os propósitos de Deus para o governo revelados na Bíblia. Esse ponto de vista coloca em xeque as alianças realizadas entre igrejas e candidatos a cargos eletivos. Embora, como vimos, a religião evangélica tenha –dentro de uma ética pública –legitimidade para participar do debate político, a sua assunção de compromisso com partidos e programas de governo, pode ultrapassar a linha moral cristã evangélica, na medida em que promove a vinculação institucional da igreja com determinado partido político/candidato. Essa fronteira moral é claramente usurpada quando tais acordos são efetuados a base de jogos de interesse, troca de favores e sede de poder, onde não há qualquer preocupação com o bem comum, que deveria nortear a presença da religião na esfera pública, especialmente a religião cristã, a qual tem no amor ao próximo um dos seus princípios basilares. Freston chama esse modelo de envolvimento da igreja com a política de “modelo institucional”, na qual “a política é reduzida a um corporativismo, a um meio de conseguir coisas para a igreja como instituição.[13]Esse tipo de modelo é, consequentemente, muito relacionado com “a corrupção, o fisiologismo e o oportunismo, porque você precisa conseguir recursos estando próximo do governo ou de interesse de poderosos”.[14]

Em segundo lugar, a par da ética protestante, o pentecostalismo deve compreender que apoio das igrejas evangélicas a candidaturas específicas também pode ultrapassar aquilo que pode ser chamado de limite ideológico. Ao assumir compromisso com certos grupos políticos a igreja acaba implicitamente chancelando seus projetos de governo e valores ideológicos. Na ética protestante isso é arriscado pois pode significar também uma espécie de idolatria ideológica. Segundo David Koyzis, assim como as idolatrias bíblicas, cada ideologia se fundamenta no ato de isolar um elemento da totalidade criada, elevando-o acima do resto da criação e fazendo com que esta orbite em torno desse elemento e o sirva.  Ele afirma que “a ideologia também se fundamenta no pressuposto de que esse ídolo tem a capacidade de nos salvar de um mal real ou imaginário que há no mundo.[15]Ele defende que as ideologias deificam algo dentro da criação de Deus, baseando-se, cada qual, em uma soteriologia específica que distorce a realidade. Ocorre que na perspectiva da ética cristã não somente objetos criados são considerados ídolos, mas tudo aquilo que assume a primazia na vida de alguém e direciona a sua forma de viver. Para Koyzis, uma abordagem cristã da política e da justiça deve ser direcionada pelos princípios bíblicos da realidade de Deus, com base na criação, queda e redenção, evitando o pensamento ideológico, que reduz todas as coisas a um único elemento de devoção, seja o liberalismo (a soberania do indivíduo), o conservadorismo (a história como fonte de normas), o nacionalismo (a nação deificada), a democracia (Vox Populi vox Dei) e o socialismo (a salvação pela propriedade comum).

Essa idolatria também pode ser percebida quando a igreja apoia uma espécie de messias político como o salvador do país; o que parece ser um contrassenso. Ao manter uma postura de isenção político-partidária, mas ao mesmo tempo atuando por meio da conscientização política, a igreja cristã, por meio de seus líderes,  tem muito mais chances de contribuir com o processo eleitoral, como voz profética de transformação, combate ao mal e defesa de seus valores morais, do que quando se vale da política messiânica. Ao exercer esse papel, a igreja pode legitima e eticamente formar cristãos que saibam exercer adequadamente seus direitos políticos, por meio do ensino doutrinário adequado e consciente.A rigor, todos os corpos sociais possuem doutrina, seja de forma implícita ou explícita, pois, “sem tais doutrinas, eles se tornariam uma massa amorfa, sem identidade nem propósitos”[16], assinalou o teólogo e historiador Justo Gonzales. Doutrina é o ensino oficial da igreja e, segundo, Roger Olson, “uma convicção religiosa relativamente complexa”.[17]Por isso, as igrejas de tradição cristã dão tanto valor ao ensino sistematizado das Escrituras, que são a sua base doutrinária. Porém, a ética impõe um limite da doutrinação do fiel no campo da política. Uma educação cristã norteada pela ética protestante precisa ensinar doutrinas e dogmas a seus fieis, porém, deve se abster de cair na doutrinação legalista que tenta transformar o fiel em um autômato acrítico, um mero cumpridor de regras. No campo político, isso ocorre quando as igrejas forçam os fiéis a votarem em determinado partido político ou candidato. Ela não somente pode como precisa oferecer ensinamentos sobre conscientização política e cidadania aos seus membros. Por outro lado, ao extrapolar essa atuação, indicando coercitivamente em quem se deve votar, obstrui a liberdade de consciência do indivíduo, configurando o chamado “voto do cajado”.

Desse modo, o “voto evangélico” é ético quando se materializa como o resultado de uma atitude crítica e refletida sobre o cenário eleitoral, fundamentado pelos princípios e valores bíblicos, e não como o resultado da imposição da organização religiosa. A igreja pode instruir, conscientizar, criticar e mobilizar para propósitos cívicos legítimos, mas quando se transforma em curral eleitoral, extrapola não apenas os limites da ética protestante, mas a ética de Cristo.

EM DIREÇÃO A UMA TEOLOGIA POLÍTICA PENTECOSTAL: A METODOLOGIA DE AMOS YONG

Sem prejuízo das diretrizes anteriormente traçadas, retorno, por derradeiro, à proposição de articulação de uma teologia política pentecostal. Ou seja, além da rejeição da neopentecostalização e o retorno ao curso do protestantismo, é necessário dar continuidade à contribuição da teologia pentecostal à discussão política – inclusive para renovar a compreensão protestante – valendo-se de metodologia e hermenêutica próprias.

Nesse sentido, a metodologia pentecostal de Amos Yong, a seguir sumarizada, é uma proposta pertinente, que pode contribuir com a fé e práticas pentecostais. Antes de analisar cada um dos seus elementos, porém, Yong ressalta que o pentecostalismo reconhece as Escrituras como fonte primária de sua interpretação, dentro da tradição protestante. Todavia, os pentecostais têm discernido a sua própria abordagem hermenêutica das Escrituras, realçada por meio do Espírito do Deus vivo[18]. Em outras palavras, as experiências contemporâneas com o Espírito Santo levam o cristão a entrar em ressonância com as narrativas bíblicas, sem desprezar os princípios da autoridade e normatividade das Escrituras para a auto-compreensão pentecostal e reflexão teológica[19].

Assentada essa premissa, prossigo para informar que Yong desenvolve o que ele chama de teologia politica pentecostala partir da metodologia do Evangelho pentecostal quíntuplo, numa síntese que historicamente tem caracterizado as doutrinas centrais do pentecostalismo clássico: Jesus salva, santifica, batiza com o Espirito Santo, cura e em breve voltará para reinar. O evangelho quíntuplo engloba, portanto: 1) Jesus como Salvador e Libertador; 2) Jesus como Santificador; 3) Jesus como batizador no Espírito Santo; 4) Jesus como o curador e; 5) Jesus como o Rei que está vindo. Conforme alerta Yong, embora não haja um consenso universal sobre a ordem exata desses elementos dentro do movimento carismático global, a não ser a salvação em Cristo, o quadro do Evangelho quíntuplo serve como uma estrutura analítica para a auto-compreensão distintiva e coerente do pentecostalismo, honrando a sua natureza plural, ao mesmo tempo em que é útil para pensar teologicamente a política no pentecostalismo global, ao menos a sua maioria[20].

A estrutura quíntupla remonta historicamente ao Evangelho quádruplo que foi legado inicialmente aos primeiros pentecostais, a partir do movimento de santidade do século XIX. O pregador A.B. Simpson (1843-1919) publicou o Evangelho quádruplo, originalmente, em 1890, proclamando Jesus como Salvador, santificador, curador e em breve voltaria para reinar. Depois, os primeiros pentecostais, que deram forma ao movimento da santidade, adicionaram o batismo no Espírito Santo com uma terceira obra da graça, seguindo a salvação e a santificação. Esse novo quadro, além de distinguir o pentecostalismo, oferece elementos doutrinários de cristologia, pneumatologia e, por extensão, soteriologia. Seja como for, essa estrutura é cristologicamente centrada, refletindo a espiritualidade e a piedade conduzidas e orientadas por Jesus. Dessa estrutura ressai, ainda, o caráter plural do pentecostalismo, resultado de uma chave hermenêutica que Amos Yong denomina de “muitas línguas e muitas práticas políticas”, extraída da compreensão dos livros de Lucas e Atos dos Apóstolos – o que evidencia um intenso labor em teologia bíblica empreendido pelo autor em sua pesquisa. Yong expressa que em Atos a igreja não é “uma comunidade meramente sectária isolada da praça pública”; pelo contrário, como um povo chamado a participar na restauração de Israel precisa ser luz para as nações, tornando-se, com isso, um agente político, pelo modo de vida como comunidade de reconciliação e unidade, promovida e guardada pelo Espírito, que enche e capacita os indivíduos para articular e testemunhar com poder para aqueles que estão fora da comunidade[21].

Considerando que “a salvação, santificação e a capacitação do Espírito produzem um novo corpo político”[22], Amos Yong desafia os pentecostais a olharem para o livro de Atos e ir além do enfoque individualista da experiência carismática, para entender as curas, o miraculoso e as manifestações do Espírito como fenômenos que podem funcionar como sinais do trabalho de Deus na praça pública, social, econômica e politicamente[23], encorajando a observar a narrativa da igreja primitiva e sua experiência com o Espírito Santo como exemplo para o engajamento público contemporâneo.

Em síntese, ao propor uma abordagem pentecostal da política Amos Yong focaliza o Evangelho quíntuplo como ponto central. Assim, no primeiro elemento, Jesus como Salvador e libertador,enfatiza o Senhorio de Cristo e a Majestade de Deus sobre toda a criação, de modo que nenhum outro poder pode ser absolutizado, não se podendo falar em dualismo. Uma contribuição pentecostal à teologia politica começa com a compreensão da vitória de Jesus sobre os poderes, inclusive demoníacos, razão pela o engajamento político dos cristãos deve ser não violento e não “demonizador”.

Em segundo lugar, Jesus como santificadoraponta para restauração e santificação do povo de Deus e incluem não somente sua purificação, mas também sua consagração para testemunhar e contribuir com a redenção do mundo[24], implicando assim consequências políticas. Contudo, tendo como exemplo a igreja primitiva, ao mesmo tempo em que preserva certa marginalidade e separação cristã em relação ao mundo, uma política de santidade inspira compromisso cultural de engajamento e transformação, discernido pelo Espírito e conduzido para a glória de Deus. Uma igreja santificada compreende, assim, segundo Yong, muitas línguas (glossolalia), não apenas como manifestação das línguas dos anjos (1Co 13.1), “mas como um desafio contra-ideológico e contra-hegemônico do status quo[25]. Além da erradicação dos efeitos do pecado no nível pessoal, a santidade conduz à busca da perfeição que trás efeitos sócio-políticos, impactando organizações e instituições locais.

O terceiro elemento – Jesus como aquele que batiza no Espírito Santo– permite articular, conforme Yong, uma política profética na sociedade civil. Classicamente, a teologia pentecostal compreende o batismo no Espírito Santo como um revestimento de poder divino, que capacita o cristão para o testemunho e evangelização do mundo. Para Yong, uma política profética reconhece, a exemplo dos primeiros cristãos, que a lealdade ao estado é secundária à lealdade a Deus (Atos 4.18,19)[26], e  que por mais que o estado possa ameaçar e perseguir a comunidade de crentes, o mundo está debaixo da providência de Deus.  Segundo, a política profética desafia o estado a fazer o que é suposto fazer: cumprir a lei e assegurar a justiça (Romanos 13.3-5); devendo, por isso, responsabilizar as autoridades quando não fazem o seu dever[27]. Terceiro, o empoderamento do Espírito capacita o crente para testemunhar explicitamente na praça pública, instigando também para uma vida de comunidade, mutualidade e generosidade. Tais fatores, iluminam a igreja para uma teologia da sociedade civil, visando participar ativamente das redes de instituições particulares que contribuem com o estado. A efusão do Espírito Santo capacita o crente à participação política de forma amorosa e ao mesmo tempo corajosa na praça pública, confrontando, quando for o caso, o próprio estado.

EmJesus como curadorAmos sugere que as curas corporais não são eventos tão somente milagrosos, mas soteriológicos, como sinal do Reino de Deus. Inspirada pelo Espírito, a igreja é, então, a manifestação da cura, reconciliação, paz e justiça[28]. No plano econômico, ao invés de ser dominada pela lógica do mercado de troca e suas transações de oferta e demanda, a igreja é guiada pneumatologicamente pela graça, perdão e solidariedade, servindo a Deus e não a Mamom. Em um exemplo contrastante quanto ao seu relacionamento com o mundo, a igreja desenvolve uma economia informal em meio ao mundo globalizado, focando em projetos e iniciativas locais, sem desprezar a economia formal. Isso conduz a uma políticashalomica(hb. Shalom– paz), que se refere a integridade, segurança, amizade e bem-estar[29]. Conforme Yong “Tais pessoas são inspiradas por Deus a servir como uma alternativa de saúde, sem desconsiderar a medicina moderna, vai promulgar uma economia alternativa, mesmo sem sair do mercado, formarão uma forma alternativa de vida, sem uma mentalidade radical e separatista, e mobilizará ativismo cívico, sem necessariamente adotar uma postura política partidária em particular ou apoiar uma ideologia econômica formal[30].

Quanto ao último elemento, Jesus como o rei que está voltando, aponta para uma dimensão escatológica da teologia pentecostal. Enquanto Deus derrama o seu espírito no tempo presente, ainda trabalha ativamente na esperança do reino vindouro. Com efeito, a dimensão escatológica da teologia política de matriz pentecostal refere-se não meramente a crenças do porvir, mas orienta a prática cristã no presente. A esperança cristã engloba o dom do Espírito que nos atrai para a história de Jesus e evita uma mentalidade escapista, permitindo um desempenho em praça pública,[1]como um povo de oração, adoração, e louvor, testemunhando os poderes da Cruz, como antecipação da restauração futura.

NOTAS E REFERÊNCIAS

[1]YONG, 2009, posição 3947.

[1]Os três modelos propostos por Amos Yong são: 1) Pentecostalismo apolítico: postura de afastamento; 2) Pentecostalismo político: postura de engajamento; Amos cita o Brasil como exemplo desse tipo de postura, diante do seu crescente crescimento e influência no processo eleitoral; 3) Pentecostalismo como uma alternativa Civitas e Polis: postura de retórica apolítica, mas com repercussões políticas; Amos também chama esse modelo de “política profética” e “política da juventude”.

[2]YONG. Amos. In the Days of the Caezar:Pentecostalism and Political Theology (Sacra Doctrina: Christian Theology for a Postmodern Age). E-book. Grand Rapids, Michigan: The Cadbury lectures, 2009, posição 1041.

[3]YONG, 2009, posição 1041

[4]YONG, 2009, posição 142.

[5]YONG. 2009, posição 142.

[6]MACEDO, Edir; OLIVEIRA, Carlos. Plano de poder: Deus, os cristãos e a política. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2008.

[7]POMMERENING, Claiton Ivan. Pentecostalismo líquido: fluidez teológica entre o pentecostalismo. Azusa: Revista de Estudos Pentecostais, p. 147. Disponível em: http://www.ceeduc.edu.br/pdf/azusa/volume4/1_claiton_ivan_pommerening.pdf. Acesso em: 13 janeiro. 2016.

[8]Vale destacar que não faz aqui diferença entre pentecostais e neopentecostais.

[9]YONG, 2009, posição 1514.

[10]YONG, 2009, posição 1527.

[11]FRESTON, 2006, p. 9.

[12]Grudem rejeita as seguintes visões: 1) o governo deve impor a religião; 2) o governo deve excluir a religião; 3) todos os governos são perversos e demoníacos; 4) a igreja deve se dedicar ao evangelismo, e não à política; e 5) a igreja deve se dedicar à política, e não ao evangelismo. GRUDEM, Wayne. Política segundo a Bíblia: princípios que todo cristão deve conhecer. São Paulo: Vida Nova, 2014. p. 22-23.

[13]FRESTON, 2006, p. 134.

[14]FRESTON, 2006, p. 134.

[15]KOYSIS, David T. Visões e ilusões políticas: uma análise e cristã das ideologias contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 18.

[16]GONZALES, Justo. Uma breve história das doutrinas cristãs. São Paulo, Hagnos, 2015, p. 8.

[17]OLSON, Roger. História das controvérsias da teologia cristã. São Paulo: Editora Vida, 2004.

[18]YONG, 2009, posição 1058.

[19]YONG, 2009, posição 1064.

[20]YONG, 2009, posição 1134.

[21]YONG, 2009, posição 1245.

[22]YONG, 2009, posição 1248.

[23]YONG, 2009, posição 1259.

[24]YONG, 2009, posição 2237.

[25]YONG, 2009, posição 2337.

[26]YONG, 2009, posição 2680.

[27]YONG, 2009, posição 2690.

[28]YONG, 2009, posição 3363.

[29]YONG, 2009, posição 3449.

[30]YONG, 2009, posição 3455.

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