A influência do Evangelho para transformar e discipular o mundo


Durante a década de 90, a igreja evangélica cresceu quatro vezes mais do que a população brasileira e a previsão é que no Brasil os evangélicos alcancem a marca de 55 milhões de pessoas, quase 30% dos brasileiros, neste ano. Esses dados seriam suficientes para glorificar a Deus se não fossem os demais índices sociais. Como se conformar com uma sociedade que, ao mesmo tempo em que apresenta uma expansão tão grande do Evangelho, também possui as maiores taxas de corrupção, desigualdade social e violência? Se o Evangelho carrega em si mudanças, por que o crescimento do número de evangélicos também não significa um crescimento real da justiça e da paz social?Por que a presença maciça de igrejas evangélicas, principalmente em bairros carentes, não muda a realidade de pobreza e criminalidade? É na tentativa de responder a essas e outras perguntas que Comunhão traz, a partir deste mês e durante os próximos seis meses, uma série sobre a relevância do Evangelho que está sendo pregado, sua influência para transformar sociedades e promover o discipulado através de sete principais áreas de influência.
 

Em junho do ano passado, o Instituto de Pesquisa Futura divulgou um estudo sobre a religião dos capixabas moradores da Grande Vitória. Ocupando o primeiro lugar, mas com uma queda gradativa se comparado aos anos anteriores, estão os católicos, com 44,3% da população. Em seguida, e em constante crescimento, estão os evangélicos, que totalizam 35% dos capixabas.
O crescimento de adeptos também é acompanhado pelo crescimento da fundação de novas igrejas e denominações. São tantas novas igrejas que é até difícil precisar seu número, segundo o presidente da Associação de Pastores Evangélicos da Grande Vitória, pastor Enoque de Castro Pereira.
“Não há como precisar um número exato, mas há aproximadamente três mil igrejas evangélicas na Grande Vitória. Há cinco anos fizemos um levantamento e existiam mais de 100 denominações diferentes. Hoje deve ter muito mais do que isso. Há muitas igrejas surgindo, é surpreendente e até difícil acompanhar tamanho crescimento”, disse o pastor.

Um exemplo clássico dado pelo pastor foi o do bairro São Pedro, em Vitória. “Há tantas igrejas nesse bairro que chega a ter uma do lado da outra, várias em uma mesma rua”, disse ele. A pesquisa realizada pela Futura somou-se a outras realizadas pela Sepal (Missão Servindo aos Pastores e Líderes), que também mostram um crescimento do número de evangélicos, principalmente no sudeste do Brasil.

No entanto, um mês depois de divulgada a pesquisa sobre religião, o Espírito Santo também apareceu num outro estudo estatístico, dessa vez nacional e nem um pouco agradável. Um levantamento sobre o Índice de Homicídios de Adolescentes (IHA), divulgado pelo Governo Federal, Unicef e uma ONG ligada a comunidades carentes, mostrou que pelo menos três cidades capixabas estão entre as dez do país onde mais se matam adolescentes. Cariacica, Linhares e Serra aparecem respectivamente em terceiro, quinto e sexto lugar. E Vila Velha ocupa a 12ª. posição.

Em novembro, o Ministério da Justiça e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgaram um retrato da exposição dos jovens à violência. Levando-se em conta cinco indicadores – homicídios, acidentes de trânsito, emprego ou frequência à escola, pobreza e desigualdade – e analisando 266 municípios com população acima de 100 mil habitantes, cidades capixabas também apareceram entre os 20 primeiros lugares. Linhares, Serra e Cariacica ficaram, respectivamente, com o 9º, 10º e 16º lugares. Em 2008, Serra ficou em quarto lugar entre as cidades mais violentas do país, a mesma colocação que obteve em 2007. O bairro São Pedro (Vitória), citado pela quantidade de igrejas evangélicas, é um desafio para a segurança pública, devido ao tráfico de drogas e ao alto índice de homicídios.

Também não obstante o crescimento, as manchetes da imprensa estão sempre registrando escândalos envolvendo evangélicos em corrupção, crimes e comportamentos contra a moral e a ética. Ainda assim, a massa evangélica continua a crescer na Grande Vitória, segundo as estatísticas.
E essa observação não se refere somente ao Estado. A África é o continente mais evangelizado do mundo. O alvo da maioria dos missionários é atuar neste continente. Nações africanas, tais como Togo, Gana, Nigéria, Quênia e Uganda, são primariamente cristãs e, mesmo assim, a realidade de pobreza, miséria, doenças, corrupção, injustiça e caos permanece a mesma, senão pior, mesmo com quase 200 anos de esforços evangelísticos.

Uma coisa não teria nada a ver com a outra se a essência do Evangelho não fosse a conversão, a transformação. Transformação de mente, de indivíduos, de comunidades e de nações inteiras. O que está errado? Qual seria a aparência de uma nação onde Jesus Cristo é o Senhor?

O poder que faz a diferença

Martinho Lutero defendia que um evangelho que não tratasse dos assuntos atuais não era, então, o verdadeiro Evangelho. Assim aconteceu no passado. Na época dos reis de Israel, Josias ainda era menino quando começou a reinar. Quando achou o livro da Lei e se deu conta do modelo de Deus para o seu tempo e sua geração, ele rasgou suas vestes e promoveu uma reforma tão grande em sua sociedade que depois dele não houve rei tão notável (2Rs 22-23).

Por várias vezes Jesus comparou seus seguidores ao sal, à luz e ao fermento. Sal que só teria utilidade se cumprisse sua função de salgar. Luz que deveria iluminar tudo ao redor (Mt 5: 13-16). E fermento que, mesmo sendo pouco, levedaria toda a massa (I Co 5:6).
Jesus deixou bem claro que aonde o Evangelho do Reino chegasse, haveria mudanças. Jesus influenciou as pessoas ao seu redor, a cultura, o governo e as autoridades do seu tempo. Ele se importou com as necessidades e se colocou como resposta diante delas. E não só Ele, mas em muitos episódios da História, cristãos influenciaram, pela sua forma de pensar e agir, as nações em que viviam, mesmo sendo a minoria populacional.

Em seu livro ‘Modelo Social do Antigo Testamento – Redescobrindo Princípios de Deus para Discipular as Nações’, Landa Cope cita que é necessário somente 20% de uma sociedade com o mesmo ideal para que se possa influenciar e até liderar os outros 80% numa determinada direção. Se for assim, qual impacto os 35% da população evangélica têm causado na sociedade capixaba?

“Se por um lado vivemos uma primavera missionária, com índices de crescimento expressivos, que o próprio IBGE aponta como realidade, por outro lado, assistimos uma espécie de crescimento vazio, paradoxalmente, um crescimento sem vida, sem dinâmica, sem ação coordenada para o anúncio do Reino de Deus, com todas as suas implicações”, disse o pastor da Igreja Presbiteriana em Mata da Praia, Vitória, Marcos Azevedo, que também é professor e coordenador da Faculdade Unida de Vitória (FTU).

Para ele, o crescimento evangélico não significa uma presença relevante e transformadora na sociedade. “Em meio a essa pluralidade religiosa, onde estão as grandes realizações desses novos grupos? A questão é: estamos ou não vivendo uma espécie de mini-renascença na área religiosa e na espiritualidade ocidental com o surgimento desses novos movimentos? Um dos grandes desafios à fé cristã é discernir se a sociedade tem mudado diante dessa efervescência religiosa, incluindo os novos movimentos evangélicos. Tudo leva a crer que não”, afirmou o pastor, que defende uma tese doutoral em cima desse tema.

“Como cristãos, necessitamos urgentemente de uma presença mais significativa e efetiva da Igreja na sociedade e uma participação maior na construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida e da esperança, e não da morte”, acrescentou o pastor Marcos.
É claro que a presença de um grande percentual de evangélicos também resulta em muitos benefícios. Daí a necessidade de se ter uma visão equilibrada, segundo o pastor Josué Ribeiro, diretor da Escola de Treinamento e Discipulado (Eted) da Jocum (Jovens com uma Missão).
“Precisamos ter equilíbrio. Há muita coisa que precisa ser melhorada, fazer algo mais acentuado. Mas eu acredito, por outro lado, que se algo bom está acontecendo é devido também a esses 35% que têm orado e pago o preço”, disse o pastor Josué.

No entanto, ele concorda que a Igreja tenha perdido, ao longo dos anos, parte de seu poder de transformadora social. “A Igreja teve um crescimento desordenado, ela inchou. As pessoas abraçaram a Igreja, mas não foram transformadas e por isso não podem transformar a sociedade. Muitos são evangélicos nominais, mas não têm nenhum tipo de compromisso, e acontece hoje conosco o que tanto criticamos no catolicismo. A capacidade transformadora da Igreja está comprometida. Há uma sedução pelo crescimento rápido, mas o preço a ser pago pela Igreja é altíssimo e agora está chegando a fatura”, disse o pastor.

Para ele, a solução está no investimento em um ensino sistemático, num discipulado eficaz e na voz profética. “As pessoas já estão saturadas e buscam algo mais consistente. Há uma pressão por mudanças. Nosso consolo é que a Igreja já passou por isso e contou com uma intervenção divina para voltar ao eixo. Esse é o nosso consolo”, disse o pastor.

O discipulado e as sete áreas de influência

“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”. O texto final do capítulo 28 de Mateus já se tornou um chavão, principalmente em acampamentos evangelísticos e cultos de missões. Muitos sabem de cor e o usam para motivar pessoas a fazer a obra de Deus.

O que muitos, na verdade, desconhecem é que neste versículo há a chave para a transformação de culturas e sociedades. Fazer discípulos de Cristo que tenham a mesma mentalidade que o Mestre, o mesmo coração que o Senhor, as mesmas atitudes, e deixem os mesmos rastros. Esse é o segredo!

Teólogos afirmam que a Igreja de hoje é a maior de toda a História. Mas, também, a mais irrelevante. É uma Igreja enorme, mas fraca, sem credibilidade, ineficiente. Incapaz de cumprir com sua missão de ir e fazer discípulos. Não fazer convertidos, não fazer simpatizantes, mas sim discípulos fiéis, seguidores de Cristo.
Landa Cope explica a tarefa da Igreja em seu livro: “Se alcançar indivíduos é a tarefa quantitativa, discipulá-los, bem como discipular suas comunidades, é o trabalho qualitativo, de ensinar e aplicar as verdades bíblicas para o nosso crescimento e para a nossa maturidade”.

É através do discipulado que as verdades de Deus contidas no Evangelho chegarão a todas as áreas da sociedade. Durante muito tempo, e é possível que isso aconteça até os dias de hoje, foi ensinado que ciência nada tem a ver com Deus. Porém, a Bíblia revela o caráter científico de Deus, o Criador de todas as coisas. A mesma coisa acontece com a medicina, com a política, com os negócios, com a economia… Longas são as discussões a respeito de se Deus tem a ver ou não com essas áreas. Mas também a Bíblia revela o caráter de Deus em cada uma dessas instâncias e o modelo de Deus para cada uma delas.

Quando o povo hebreu saiu do Egito, após quatro séculos de escravidão (Êxodo), era pobre, subdesenvolvido, não tinha terra, não tinha exército, não tinha um sistema econômico, não tinha uma religião. E foi deste povo, formado por aproximadamente três milhões de pessoas, que Deus fez uma grande nação. Cerca de 300 anos depois, Israel era conhecido como uma das maiores ou talvez a maior nação de sua época. Israel era próspero, era regido por um sistema justo e desenvolvido porque vinha do próprio Deus. Ele mesmo deu instruções sobre economia, governo, comunicação, religião, artes, família e educação. E é através dessas sete áreas de influência que Deus continua ensinando seu povo.

O desafio da Igreja do século XXI é, então, achar o meio de fazer com que a cosmovisão (visão acerca do mundo) bíblica penetre e influencie todas as áreas da sociedade. Como foi no passado, precisa ser agora, para que o crescimento do Evangelho em números também seja acompanhado de qualidade de vida, justiça, paz e alegria e tudo o mais que é concernente ao Reino de Deus.

Fonte: Revista Comunhão / via [comoviveremos.com]

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3 comentários

  1. Amado Valmir, descordo categoricamente de você quando cita I Co 5.6 dizendo que nós cristãos estamos sendo ali comparados ao fermento. O senhor, como profundo estudioso da Palavra de Deus, sabe que o fermento na Bíblia é uma tipificação do pecado e, no versículo seguinte, Paulo inclusive manda que os coríntios se limpem do fermento velho, e cita Jesus como nossa Páscoa (na Páscoa se comiam pães apenas sem o fermento).
    Gostaria que fosse mais claro quanto a este ponto, uma vez que pode ser que tua intenção não tenha sido exatamente comparar o evangelho de Cristo com o fermento, talvez tenha sido outra que não ficou clara.
    Deus te abençoe!

  2. Lucas,

    O texto não é de minha autoria.

    Mas, a sua observação foi muito pertinente.

    Fica aqui a ressalva a todos os leitores.

    abraço

    Valmir

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