Apologética em casa e na igreja


O Desafio de defender a fé na pós-modernidade
No exercício do ministério, inúmeras vezes ouvi, e infelizmente ainda ouço, lamentações de pais cristãos, que viram seus filhos chegar à adolescência e saírem da igreja. A triste constatação é que não sou o único que sei desse fato, e, não é somente no Brasil que o fenômeno se apresenta. A renomada escritora e apologista, Nancy Pearcey, conta no quarto capítulo de sua importante obra Verdade Absoluta (CPAD), que abandonou a fé em sua adolescência. O motivo, por incrível que pareça, é praticamente o mesmo de todos os outros teens: “Eu freqüentara a igreja por toda a minha vida (meus pais cuidaram disso) e também a escola primária luterana. Ao longo dos anos, memorizara hinos, versículos bíblicos, os credos e o catecismo luterano, e sou imensamente grata por essa formação. [Porém] Nunca aprendera nada sobre apologética, ou recebera ferramentas para analisar idéias, ou fora ensinada a defender o cristianismo contra os outros ‘ismos’”.1

O livro Sua Igreja Está Preparada? ― recentemente lançado pela CPAD ― organizado por Ravi Zacharias e o eminente apologista Norman Geisler, traz no capítulo seis, intitulado “Criando um Clima Apologético no Lar”, a seguinte afirmação: “Fico perplexo com o número de pessoas que conheço que abandonaram a fé porque seus pais nunca deram respostas objetivas aos seus questionamentos, e os membros de seitas são todos muito zelosos ao oferecer respostas atrativas e tentadoras”.2

O alarmante dado de que alguns adolescentes estão se desviando da igreja ou abandonando a fé, é sintomático e aponta para uma única direção: Os pais estão esquecendo de seu dever, isto é, de fazer a lição de casa, contida em Efésios 6.4. E, num mundo em que o mercado de idéias, mais do que nunca, está em constante mutação, ler a Bíblia sem estabelecer uma conexão ou vinculá-la à realidade, ou seja, sem fazer uma leitura de mundo (Lc 12.54-57), é praticamente inócuo.
J. Budziszewski, afirma que assim “como a arte da batalha física muda de época em época, também acontece com a arte da batalha espiritual. Estamos passando por outra transformação. Infantaria não está à altura de aviões a jato. Da mesma forma, as armas apologéticas e catequéticas que serviam aos jovens cristãos durante o Iluminismo devem ser remodeladas para enfrentar os desafios da pós-modernidade. Seus pastores e líderes devem mostrar-lhes como usar essas ferramentas”.3
Precisamos reconhecer que os adolescentes “podem citar passagens bíblicas o dia inteiro, mas sabê-las de cor é diferente de entendê-las”.4 E mais, não “basta ensinar os jovens crentes a fazer regularmente o devocional, seguir um programa de memorização da Bíblia e unir-se a um grupo cristão […]. Também precisamos prepará-los para responder aos desafios intelectuais que eles enfrentam em sala de aula”.5
Isso significa que hoje, como diz Nancy Pearcey, “a apologética básica tornou-se habilidade crucial para a simples sobrevivência. […] A tragédia é representada inúmeras vezes quando os adolescentes cristãos arrumam as malas, despedem-se dos pais e vão para universidades seculares, apenas para perder a fé antes de se formarem, tornando-se presas das mais recentes novidades intelectuais”.6
Por outro lado, temos de evitar uma grande incoerência, que é aquela mania de exaltar a ciência quando supostamente confirma um relato bíblico, e condená-la quando parece desacreditar ou colocar em xeque algum postulado da Palavra de Deus. A Bíblia independe de confirmação científica, porém as ferramentas culturais não devem ser vistas com preconceitos, e sim com reservas. Devemos saber que nem tudo que é extra-bíblico, é necessariamente anti-bíblico, pois como disse Clemente de Alexandria, em sua obra Stromata: “Toda verdade é a verdade de Deus”.
IDENTIFICANDO NOSSA MISSÃO
 
Em uma época de polarização alguns defendem de forma distorcida a idéia Ecclesia reformata sed semper reformanda (Igreja reformada sempre se reformando), ou sua antítese, o triunfalismo. Devemos rejeitar esses extremismos e reconhecer a necessidade de revisitarmos alguns postulados da Reforma. Uma de suas grandes conquistas foi o resgate do chamado sacerdócio universal dos crentes, que nada mais é que “a responsabilidade de cada um saber e entender a Bíblia”.7
Refiro-me a “resgate” porque o elitismo nunca foi bíblico (Nm 11.26-29; Mt 28.19,20; 1Pd 2.9,10). Desde os tempos mais remotos, os servos do Senhor têm não somente o direito como também o dever de se apropriar dos instrumentos de defesa da fé (Dt 6; 8; 11; Sl 78;). Esta é uma prerrogativa inadiável da Igreja de Cristo (1Pd 3.15).
Quando surgiram os apologistasdefensores intelectuais do cristianismo ― suas homilias tinham por finalidade instrumentalizar toda a igreja para que ela pudesse também responder aos questionamentos. Só com o passar do tempo, é que o povo foi tolhido do conhecimento, e uns poucos “iluminados” monopolizaram a Palavra. O resultado todos nós conhecemos.
Na pós-modernidade, a “fim de ser eficaz em preparar os jovens e profissionais para enfrentarem os desafios de uma sociedade secular altamente culta, a igreja precisa redefinir a missão de pastores e líderes de mocidade e incluir ensinamentos sobre apologética e cosmovisão. […] Os pastores têm de fornecer liderança intelectual às congregações, ensinando apologética no púlpito”.8 Em outros termos, é imprescindível que o ministério redefina sua missão defensiva, reconhecendo “que os líderes têm um importante papel no encorajamento das famílias de sua igreja no sentido de ajustarem o tom para uma compreensão da fé cristã com seus filhos em casa”.9
Abordando esse assunto, o eminente pensador cristão, Charles Colson disse em seu mais recente lançamento pela CPAD, O Cristão na Cultura de Hoje: “[As] famílias também têm uma tarefa educacional para realizar em casa, ensinando aos seus filhos um ponto de vista abrangente com o qual irão interpretar e comentar o que aprendem na escola. Neste sentido, todos os pais cristãos precisam ser professores em casa. E todos precisam do apoio da igreja, o que significa que as igrejas locais devem incentivar os jovens líderes de grupos a irem além dos jogos de voleibol e das festas de pizza, e começarem a ensinar apologética e questões de pontos de vista”.10
 REASSUMINDO NOSSA TAREFA
 
 O sistema educacional estabelecido na Palavra do Senhor possui um propósito muito específico. Isso é claramente perceptível, desde o Antigo Testamento. É algo que deve ser processado de forma hereditária em um ciclo contínuo, tornando-se uma forma de educação religiosa preventiva (Dt 11.19,20). O efeito desses primeiros cuidados é nítido na vida do próprio Moisés (Hb 11.24-26). E é fato comprovado que muitos hebreus abriram mão do Deus verdadeiro para servirem os deuses “dalém do rio” (Js 24.15). O objetivo da Educação Judaico-religiosa no Antigo Testamento era justamente preservar o povo de Deus dessas más influências dos povos idólatras e corrompidos que haviam ao redor da terra prometida. Dito de maneira diferente era uma contracultura, ou seja, uma “cultura com o fim de combater os valores culturais vigentes” (Lv 20.22,23). Disse o Senhor: “E ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo e separei-vos dos povos, para serdes meus” (Lv 20.26; grifo meu).
Esse princípio ainda consubstancia e fundamenta o sistema educacional da nossa Dispensação, o qual denominamos de Educação Cristã (Rm 12.1,2; Ef 4.11-16). O Salmo 78 ― que é apologético e educativo ― reverbera em Efésios 6.4: “E vós, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do Senhor” (grifos meus). Isso mostra claramente que a educação religiosa dos filhos é, na verdade, um princípio perpétuo estabelecido pelo Senhor (Dt 6.1-9). É primeiramente uma obrigação dos pais, mas estes só podem ensinar se tiverem conhecimento para tal, por isso, Deus estabeleceu o ministério do ensino na Igreja, visando formar pais para estes formarem filhos e assim sucessivamente, num processo que, idealmente, nunca acaba (2Tm 2.2). Um grande exemplo é o jovem pastor Timóteo, o qual desde a sua infância sabia as Sagradas Letras (2Tm 3.15), ensinadas por sua avó Lóide e sua mãe Eunice (2Tm 1.5).
Existe uma objeção equivocada de alguns pais quanto à Educação Bíblico-teológica dos filhos. Eles dizem não entender como a Bíblia pode dizer: “Ensina o menino no caminho em que deve andar, e, até quando envelhecer, não se desviará dele”; e seus filhos se desviarem mesmo assim. O que encontramos em Provérbios 22.6, acerca da educação e sua eficácia ― estabelecendo a devida diferença entre o texto e uma receita de bolo ― só pode ser entendido à luz de Efésios 6.4. Seria incoerência de nossa parte esperar resultado semelhante ao que encontramos em Provérbios 22.6 se não procedermos conforme Efésios 6.4!11
O QUE PODE EFETIVAMENTE SER FEITO
 
Estou convencido de que o nosso dever é motivar as famílias a viverem uma vida cristã apologética e relevante. E isso não é fácil. Aliás, é um grande desafio, pois ensinar ao filho em “que” crer, é diferente do “porque” e o “para que” crer! Isso significa que é preciso fazer muito mais que levá-los à igreja aos domingos e depois reivindicar cumprimento cabal de Provérbios 22.6.
Ravi Zacharias diz que: “Esclarecer e defender a verdade é a parte difícil da apologética, porque é fundamental. Muitas pessoas hoje em dia, quando lhes pedem para definir a verdade, hesitam e gaguejam porque nunca pararam para entender o que elas mesmas querem dizer quando falam que Jesus é ‘o caminho, e a verdade, e a vida’”.12
Em primeiro lugar devemos incentivar os pais a “conhecerem a Palavra de Deus. Isso pode parecer simplista, mas o que me impressionou quando era novo convertido, e ainda impressiona, é apenas como muitos cristãos professos são biblicamente analfabetos. Muitos ainda não leram a Bíblia toda, ou deixam de lado o Antigo Testamento, e, como resultado, não conhecem a Deus de verdade”.13 Muitos cristãos pós-modernos se equivocam ao pensarem que todas as coisas da Lei são inúteis para a atual Dispensação. Os preceitos judaicos não nos são impostos, no entanto, os princípios sobre os quais a Lei se fundamentou, estes são imutáveis e servem para todas as pessoas em todas as épocas e em todos os lugares (Mt 22.36-40).
Podemos também, além de usar a Bíblia, lançar mão da “literatura cristã para edificar o modo de pensar de nossos filhos e desafiá-los intelectualmente no processo. Líderes de igreja podem encorajar pais e mães a lerem com seus filhos livros como As Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis, e O Peregrino, de John Bunyan. Queremos que nossos filhos tenham discernimento, mas não conseguiremos se não examinarmos cuidadosamente aquilo a que estão expostos, quer sejam filmes ou livros. Não estou sugerindo que os protejamos a ponto de criarmos um ambiente irreal, mas devemos ajudá-los a se tornarem tão familiarizados com o que é puro e bom que consigam de imediato indicar o que é impuro e errado”.14
Algumas pessoas estão fazendo isso, e o resultado tem sido mais que satisfatório. Os dados negativos de evasão infanto-juvenil têm praticamente se extinguido.
 INVERTENDO OS DADOS NEGATIVOS
 
Recentemente, o Mensageiro da Paz publicou uma matéria sobre a Assembléia de Deus em Jurumenha, liderada pelo pastor Kléber de Moura Mattos, na cidade de São Gonçalo (RJ), que criou um curso de Teologia para crianças (Teocrian). Segundo a matéria, em “quatro anos, alunos de 7 a 18 anos aprendem desde Gênesis a Apocalipse, passando por doutrinas bíblicas básicas da vida cristã”.15 É interessante que no “quarto e último ano, os alunos estudam sobre seitas e falsas religiões”.16
A idéia inovadora que surgiu da preocupação do próprio pastor Kléber com a formação das crianças e adolescentes, não pára por aí. Pois para atender a nova geração da igreja, a “AD criou ainda o Mini-Teocrian. São aulas preparatórias para as crianças de 4 a 6 anos que ainda não sabem ler nem escrever. De acordo com o pastor Kléber Moura, as únicas ‘críticas’ recebidas advêm de alguns pais. ‘Os pais falam para mim que os filhos deles estão sabendo mais de Bíblia do que eles. Por isso, estão pedindo um curso para eles também’, brinca o pastor, vislumbrando a expansão do curso”.17
Ensinar os adolescentes cristãos a defender a sua fé na pós-modernidade significa ― imediatamente ― mudar a nossa postura, sermos criativos, produzir cultura cristã (popular e erudita), conhecê-los profundamente, tornarmos-nos seus melhores amigos ― o que quer dizer saber ouvi-los ― e não sermos cúmplices. Isso, por sua vez, significa perpetuar o cristianismo e, consequentemente, a Igreja. Significa dar seqüência ao legado que recebemos, entregando-o à nova geração, com o mesmo cuidado e desvelo de nossos pioneiros. Significa oferecer pasto para as ovelhas em vez de simplesmente uma cerca de arames farpados. Significa menos pedidos de oração por filhos desviados e mais povoamento do reino de Deus, em detrimento do caminho largo e espaçoso que conduz a perdição.   
Fonte: Blog do autor
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6 comentários

  1. Olá,
    Gostei do texto. também sou um apreciador da literatura apologética. Fico um tanto desanimado quando percebo a falta de interesse de pastores e membros por estes assuntos. A apologética me ajudou a continuar no evangelho. As obras de C.S Lewis, Norman Geisler, William Lane Craig, Francis Shaeffer, muito me ajudaram a continuar na igreja. É lamentavel a falta de interesse por assuntos tão pertinentes. O resultado disso é um evangelho raso, sem raiz, sem bases. Não por acaso muitos jovens costumam a pensar que a igreja é alienante.

  2. É cada vez mais imprescindível que venhamos abrir nosso olhos para o que está acontecendo hoje no meio “evangélico”: membros bitolados pelos seus pastores que na ânsia de controlá-los não expõem a real Palavra e nem permitem que os mesmos questionem suas conjeturas afastando-os de suas famílias e restringindo suas expressões a meros copismos do que se convencionou ser chamado de “liturgia”.
    Tem sido triste perceber que o legado da reforma tem sido esquecido e taxado como extirpador do Espírito Santo; pastores que aceitaram militar em defesa de uma vida sadia e madura segundo o Evangelho cada vez mais calados ou com suas bocas amordaçadas pelos mandos e desmandos de uma geração que não conhece sua fé nem em quem ela é firmada.
    Esse artigo é um reconfortante porto nesse meio cada tão conturbado que tem sido a vida cristã; peço autorização para usá-lo em minha congregação numa futura ministração.
    Na fé e oração por uma vida sadia e madura,

    Fellyp Cranudo

  3. Olá Fellyp!

    Estou gostando dos seus comentários. Mas é que, na boa, soa meio presunçoso essa conversa de “vida sadia e madura”… parece que só o tipo de vida que você almeja é que é “sadia e madura”.

    Você gostaria de nos explicar o que vem a ser uma “vida sadia e madura”?

    Abraço!

  4. O fato de muitos cristãos serem analfabetos em relação a bíblia é o motivo deles ainda serem cristãos, se os cristãos lessem a bíblia(e não apenas os versiculos indicados pelos pastores) muitos deles não teriam mais fé.

  5. Graça e Paz, DUDA,

    Farei uma paráfrase do que está no site:
    http://teophilo.info/index.html
    Isso para tentar responder ao teu post um pouco menos “presunçoso” (!!?!!)

    VIDA CRISTÃ SADIA E MADURA:

    *NÃO é a que você encontra numa igreja cheia de gente que não conhece e nem se esforça para conhecer verdadeiramente ao Deus da Bíblia, preferindo engolir doutrinas espúrias aos domingos do que ler e se esforçar para compreender a Palavra de Deus (através do ensino do Espírito Santo).

    *NÃO é uma vida que você encontra numa igreja permeada pelo mundo (sistema que se opõe ao único Deus): concordante e participante dos costumes e da “cultura relevante”, valorizando o ser humano acima da vontade do próprio Deus.

    *NÃO é uma vida que você encontra numa igreja onde as conversões são psicológicas, ocorridas através de promessas sem base bíblica e onde o culto deve agradar ao público e a palavra “racional” é substituída por “extravagante”, “sobrenatural” por “do reteté”!

    *É uma profecia bíblica relativa ao final dos tempos e, de forma alguma, deixará de se cumprir: não haverá essa vida no clube de futebol e muito menos no bar da esquina, pois é uma condição total e intrinsecamente relacionada apenas às igrejas.

    Encerro minha conjetura do que seria uma vida cristã sadia e madura com mais uma paráfrase do site referido no início:

    Se você não crê que a Bíblia é a verdadeira e única palavra de Deus revelada aos homens através da inspiração divina, inerrante, infalível e suficiente…

    Se você não crê que Jesus Cristo é o filho unigênito de Deus e em todas as suas características únicas: nascimento virginal, divindade, expiação vicária, ressurreição corpórea e segunda vinda…

    … Então o “debate-empate” a partir daqui não é de seu interesse. Pode ir navegar em outro lugar, pois não pretendo perder tempo discutindo com base em opiniões pessoais, emoções ou em qualquer outra obra além da Palavra.

    Att,

    Fellyp Cranudo

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