Espiritualidade ou misticismo?


Espiritualidade ou misticismo?

por Augustus Nicodemos Lopes

[Mundo Cristão]

Existe em todo o mundo um movimento entre católicos e protestantes que visa resgatar a mística medieval, especialmente as práticas e as disciplinas espirituais dos monges e freiras da Idade Média, como modelo para uma nova espiritualidade hoje. Esse movimento, geralmente conhecido como “espiritualidade”, tem sido defendido por líderes católicos e protestantes e apresenta-se como uma reação à frieza, à carnalidade e ao mundanismo da cristandade moderna, especialmente da ala mais conservadora.Não discordo de tudo o que os defensores da espiritualidade dizem. Quebrantamento, despojamento, mortificação, humildade e amor ao próximo são conceitos bíblicos e encontramos esses conceitos em vários dos seus escritos. Meu problema não é tanto o que eles dizem, mas o que eles não dizem ou dizem muito baixinho, a ponto de se perder no cipoal de outros conceitos.

Sinto falta, por exemplo, de uma ênfase na justificação pela fé em Cristo, pela graça, sem as obras ou méritos humanos, como raiz da espiritualidade. Uma espiritualidade que não se baseia na justificação pela fé e que não nasça dela está fadada a virar, em algum momento, uma tentativa de justificação pela espiritualidade ou pela piedade pessoal, uma tentativa de se chegar a Deus de forma direta e imediata, sem a mediação de Cristo. Não estou dizendo que os defensores da espiritualidade neguem a justificação pela fé somente – talvez os defensores católicos o façam, pois a doutrina católica de fato anatematiza quem defende a salvação pela fé somente. O que estou dizendo é que não encontro essa ênfase à justificação pela fé em Cristo nos escritos que defendem a espiritualidade.

Sinto falta, igualmente, de uma declaração mais aberta e explícita de que a espiritualidade começa com a regeneração, o novo nascimento, e que somente pessoas que nasceram de novo e foram regeneradas pelo Espírito Santo de Deus é que podem realmente se santificar, crescer espiritualmente e ter comunhão íntima com Deus. A ausência da doutrina da regeneração no movimento pode dar a impressão de que por detrás de tudo está a idéia de que a religiosidade natural, inata, do ser humano, por causa da imago dei, seja suficiente para uma aproximação espiritual em relação a Deus mediante o emprego das práticas devocionais.

O caráter progressivo na santificação também está faltando na pregação do movimento. Quando não mantemos em mente o fato de que a santificação é imperfeita nesse mundo, que nunca ficaremos aqui totalmente livres da nossa natureza pecaminosa e de seus efeitos, facilmente podemos nos inclinar para o perfeccionismo, que ao fim traz arrogância ou frustração.

Também gostaria de ver mais claramente explicado o que significa imitar a Jesus, um ponto que é bastante enfatizado no movimento. Até onde sei, Jesus não era cristão. A religião dele era totalmente diferente da nossa. Nós somos pecadores. Jesus não era. Logo, ele não se arrependia, não pedia perdão, não mortificava uma natureza pecaminosa, não lamentava e chorava por seus pecados. Ele não orava em nome de alguém e nem precisava de um mediador entre ele e Deus. Ele não sentia culpa pelo pecado – a não ser quando levou sobre si nossos pecados na cruz. Ele não precisava ser justificado de seus pecados e nem experimentava o processo crescente e contínuo de santificação. A religião de Jesus era a religião do Éden, a religião de Adão e Eva antes de pecarem. Somente eles viveram essa religião. Nós somos cristãos. Eles nunca foram. Jesus nunca foi. Como, portanto, vou imitá-lo nesse sentido? É esse tipo de definição e esclarecimento que sinto falta na literatura da espiritualidade, que constantemente se refere à imitação de Cristo sem maiores qualificações. Quando vemos Jesus somente como exemplo a ser seguido, podemos perdê-lo de vista como nosso Senhor e Salvador. Quando o Novo Testamento fala em imitarmos a Cristo, é sempre em sua disposição de renunciar a si mesmo para fazer a vontade de Deus, sofrendo mansamente as contradições (Fp 2.5; 1Pe 2.21). Mas nunca em imitarmos a Jesus como cristão, em suas práticas devocionais e na sua espiritualidade.

Faltam ainda outras definições em pontos cruciais. Por exemplo, o que realmente significa “ouvir a voz de Deus”, algo que aparece constantemente no discurso dos defensores da espiritualidade? Quando fico em silêncio, meditando nas Escrituras, aberto para Deus, o que de fato estou esperando? Ouvir a voz de Deus com esses ouvidos que um dia a terra há de comer? Ouvir uma voz interior? Sentir uma presença espiritual poderosa, definida, que afeta inclusive meu corpo, com tremores, arrepios? Ver uma luz interior, ou até mesmo ter uma visão do Cristo glorificado e manter diálogos com ele, como alguns dizem ter experimentado? Ou talvez essa indefinição do que seja “ouvir a voz de Deus” seja intencional, visto que a indefinição abriga todas as coisas mencionadas acima e outras mais, unindo por essas experiências vagas pessoas das mais diferentes persuasões doutrinárias e teológicas, como católicos e evangélicos, conservadores e liberais?

Por todos esses motivos acima, nunca realmente me senti interessado na espiritualidade proposta por esse movimento. Parece-me uma tentativa de elevação espiritual sem a teologia bíblica, uma tentativa de buscar a Deus por parte de quem já desistiu da doutrina cristã, das verdades formuladas nas Escrituras de maneira proposicional. Prefiro a espiritualidade evangélica tradicional, centrada na justificação pela fé, que enfatiza a graça de Deus recebida mediante a Palavra, os sacramentos e a oração e que vê a santidade como um processo inacabado nesse mundo, embora tendo como alvo a perfeição final.

Enfim. Deus me guarde de ir contra a busca de uma vida cristã superior, de desenvolver a vida interior. Que Ele igualmente me guarde de qualquer tentativa de alcançar isso que não esteja solidamente embasada em Sua Palavra.

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2 comentários

  1. Concordo em gênero, número e grau com o Dr. Augustus Nicodemos, é perceptível esta crise que nos é apresentada e vivida.

    Gostaria de ter o privilégio de saber … “O que não dizem os de opção tradicional (sem generalizações), acerca de como vencer…

    – O orgulho espiritualizante do saber?

    – Como tolerar os que pensam diferente sem designá-los a fogueira da marginalidade?

    – Como entender a “Vontade Permissiva de Deus” nestes movimentos e não deixar que o ranço de minha “ortodoxia” embruteça meu coração, fechando-me na concepção do humano na perspectiva da Graça?

    – Como lidar com o legado Teológico da Reforma Protestante em toda sua plenitude, sem contudo repetír os abusos históricos da igreja em nome do zêlo Teológico?

    – Como vencer o Legalismo evidênciado na práxi, por consequência da Prática?

    As vezes por estes e outros motivos acima, faz-se um grande abismo entre os de lá e os de cá não permitindo o crescimento e o louvor do Reino.

    Respeitosamente…

  2. Eis aqui os fundamentos da Teologia Quântica, a teologia do espírito para o terceiro milênio.A ESPIRITUALIDADE PLENA DE LUZ

    A espiritualidade é uma manifestação da realidade espiritual do ser humano. A consciência espiritual começou a despertar na mente humana , já no homem de Neandertal, que enterrava seus mortos com reverência e algum ritual, por acreditar na continuação da vida espiritual.
    Por paradoxal que pareça, para entendermos a espiritualidade humana é bom seguirmos os passos do progresso da ciência, que reduzindo a matéria nos seus elementos chegou à anti-matéria ou vácuo quântico, substância escura , sem massa que pervade mais de 90% do cosmo observável.É o fundo imóvel de energias em equilíbrio que quando vibra cria matéria e consciência cognitiva, é a causa em potência que se transforma em ato. “Aristóteles”.
    Todo o universo material, inclusive o homem, provem de um processo organizacional ascendente, da não matéria para partículas, átomos, moléculas, e células neurais…. Portanto podemos identificar essa não matéria como um oceano espiritual no qual estamos submersos e em contato permanente, célula por célula.
    Interagimos constantemente com esse “Uno” espiritual através da nossa mente nos seus três níveis de consciência: espiritual, emocional e racional.
    O nível racional ou consciente é o mais recente desenvolvimento dos humanos, tem sua estrutura neural no córtex cerebral com conexões em série, o pensamento é processado por ondas cerebrais que são interpretadas pelo nível espiritual.
    O nível emocional ou inconsciente, instintivo nos animais, é inerente à vida em todas as suas formas, nos ser humano suas conexões neurais estão por todo o sistema nervoso em redes paralelas, seus registros são processados por ondas cerebrais que também são interpretados pelo nível espiritual.
    O nível espiritual ou super-consciente é a essência do programa do ser que precede a existência, no ser humano a consciência espiritual atua na base cerebral com uma onda de 200Hz (descoberta recente) que faz a leitura das ondas do consciente e inconsciente e devolve informação com inteligência, emoção e consciência, portanto a consciência inteligível e emocional é processada no cérebro e interpretada pelo espírito.
    Com o entendimento da ciência do ser espiritual, torna-se compreensível o poder da oração e da meditação, pois ambas requerem a focalização do pensamento em algum propósito, e as ondas do pensamento não precisam ganhar as alturas para chegar até Deus, pois o seu espírito está em contato conosco, célula por célula. “Vale lembrar o que foi dito hà dois milênios: “O reino de Deus está dentro de vós” ou “Deus é espírito, e importa que os que o adoram, o adorem em espírito e em verdade” ou ” A verdade vos libertará”.
    Até agora o que foi conseguido em termos de saúde, alegria e paz de espírito por poucos pela fé, poderá ser alcançado por muitos pelo entendimento. Santo Agostinho escreveu: “Compreender para crer, crer para compreender”, porque ele acreditava que não só o credo, mas também a razão aproxima o homem de Deus.
    E assim a aventura humana vai chegando ao seu topo com mais compreensão e consciência espiritual.
    Ivo da Silva Bitencourt 03/120/2008

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