O nascimento de uma mentira: entendendo o uso da maconha como uma questão de saúde pública


O nascimento de uma mentira: entendendo o uso da maconha como uma questão de saúde pública

Valmir Nascimento Milomem
 
Paira no ar uma tendência estranha de se atribuir à política de saúde pública a responsabilidade para resolver problemas advindos de atos ilícitos. Primeiro o ministro José Gomes Temporão afirmou que o aborto deve ser encarado como uma questão de saúde pública e não de criminalidade. Agora foi a vez de Carlos Minc dizer o mesmo acerca da maconha. Durante audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, o ministro do meio ambiente disse que se "alguém achar que vai acabar ou com o uso da maconha ou do álcool com polícia, essa pessoa deve ter bebido mais do que o alcoólatra porque essa questão se resolve com uma grande informação e abrindo as portas para essas pessoas serem tratadas".

De modo sutil vão tentando fazer com que uma mentira ganhe peso de verdade. E a técnica é simples. Basta argumentar que como a lei e a policia não conseguem refrear a criminalidade, a decisão mais sensata a ser feita é descriminalizar as condutas e, consequentemente, resolver o problema pela via administrativa; isto é, encarando-o como uma "questão de saúde pública". A tese é tão sutil que acaba convencendo os incautos.

Mas, a pergunta que não quer calar: Afinal de contas, o que é uma "questão de saúde pública"?

A expressão é tão vaga e imprópria que demonstra o seu caráter ideológico. A tese não está baseada em argumentos científicos, muito menos jurídicos; mas, simplesmente, na tentativa equivocada de aplicar políticas liberais à legislação penal. Veja que, ao impingir ao uso da maconha o caráter de "questão de saúde pública", o ministro e seus companheiros de passeata tentam tornar lícita a conduta.

Ocorre que, tanto o aborto quanto o uso da maconha não estão certamente ações humanas acobertadas pelo princípio penal da intervenção estatal mínima; isso porque, tanto um quanto outro ofendem bens jurídicos relevantes que merecem a proteção do Estado por meio de leis penais. O tipo penal que incrimina o aborto visa tutelar a vida humana; já no caso do uso de entorpecentes, o bem que busca ser tutelado é a saúde pública; a incolumidade física e a saúde individual.

Obviamente que os dependentes de drogas precisam receber acompanhamento com vistas à recuperação. Mas, para aqueles que acham que já não exista lei com essa previsão basta dar uma olhada na "nova" lei de drogas, n. º 11.343/2006, que, além de criminalizar a conduta prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Aliás, a pena aplicada aos usuários foi tão branda que não se justifica, em hipótese alguma, a tentativa de se descriminalizar – ainda mais – o uso de entorpecentes. Digo – ainda mais – porque a pena aplicada foi tão leve que existem opiniões de já ter havido uma descriminalização "sui generis". Vejamos a redação do artigo 28:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Essas são, portanto, as penas aplicadas aos usuários de maconha. I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Querem mais o quê? Um tributo aos usuários de maconha?

Bom. Mas voltando à tal "questão de saúde pública", é preciso que se tenha cuidado, pois, corremos o perigo de que essa tese se expanda e abarque outro tipos de ilíticos. É, porque, o tema é tão aberto que não custa nada os ministros do Lula considerarem como "questão de saúde pública" o uso da cocaína, da heróina ou do crack. Ou, por que não dizer também, o tráfico de órgãos e a pedofilia?

É assim. Um abismo chama outro; e o liberalismo não tem fronteiras.

 

Posted via email from E Agora, Como Viveremos?

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