A intolerância dos tolerantes


por Ricardo Gondim

Há algum tempo recebi o convite para participar de um programa de debates, recém iniciado pela MTV, onde abordariam a questão do homossexualismo. Aceitei com certa hesitação.

Minha paixão pela polêmica me impediu de dizer não. Nos bastidores, antes de ir ao ar, percebi que seria minoria mais uma vez (embora seja pentecostal e corintiano). Sentei-me à mesa, rodeado por um drag queen e uma ativa militante do movimento lésbico. Mal o programa começou e já se percebia claramente que ele visava uma apologia do homossexualismo (ou homossexualidade, como querem os politicamente corretos). Cada um dos mais de quinze painelistas se revezava em defender a prática homossexual como uma questão de preferência e não de ética. Finalmente, a apresentadora do programa perguntou minha opinião.

Pausadamente, procurando me esquivar da pecha de fundamentalista e homofóbico, expus o que penso ser um consenso do pensamento evangélico: “Cremos em um Deus criador e preservador de todo o universo. Ele, além de possuir pessoalidade, preocupa-se com a felicidade de toda a sua criação. Dele provém uma lei moral que fornece os parâmetros do comportamento humano e, por ser exterior a nós, não se molda às nossas preferências”. “De acordo com essa lei moral”, continuei com o mesmo tom de voz, “nós evangélicos, entendemos o homossexualismo como um pecado, uma perversão moral”. Bastaram essas palavras. O tempo fechou. Quase todos ao redor da mesa falavam, cada qual subindo um pouco seu tom de voz. Alguns, descontrolados, proferiam palavrões. Sarcasticamente, confesso, perguntei: “Afinal de contas este espaço não é plural? Por que não posso manifestar meu ponto de vista, assim como os senhores expõem os seus? Se vocês pregam a tolerância, por que tanta intolerância ao meu ponto de vista?” Meu sarcasmo não deu resultado. Cada vez que tentei falar, me abafavam aos gritos.

Modernidade

A modernidade sempre se gabou de respeitar os diferentes. Voltaire, arauto do Iluminismo, dizia: “Devemos tolerar-nos mutuamente, porque somos todos fracos, inconseqüentes, sujeitos à mutabilidade, ao erro. Um caniço vergado pelo vento sobre a lama porventura dirá ao caniço vizinho, vergado em sentido contrário: Rasteja a meu modo, miserável, ou farei um requerimento para que te arranquem e te queimem?’” Por que mesmo anunciando o respeito à opinião do outro, a Modernidade patrocinou as guilhotinas da Revolução Francesa? Por que o estado marxista promoveu o expurgo de Stalin? Por que na Alemanha, berço dos grandes filósofos e teólogos, aconteceu o Holocausto? Se a modernidade é tão tolerante com o diferente, por que tanta intolerância?

Entendamos um pouco da Modernidade. Primeiro, ela valoriza o método. A tolerância para com a razão, para a prova “irrefutável”, tornou-se desnecessária. André Comte-Sponville afirma: “Quando a verdade é conhecida com certeza, a tolerância não tem objeto”. Ele e todos os filósofos da modernidade crêem que os cientistas necessitam não de tolerância, mas de liberdade. Os fatos, provenientes da observação empírica, impõem-se. Refutá-los é negar a razão. Como a ciência não depende de opiniões, ela não necessita de tolerância, mas de espaço. Depois, a Modernidade também é naturalista. Só trabalha com um sistema fechado. Matéria, energia, tempo e chance são as únicas variáveis consideradas. Portanto, a verdade está contida somente a esses elementos. Como filosofar é pensar sem provas, e provar faz parte do paradigma da Modernidade, a filosofia (também a teologia) é tolerada, desde que obedeça as regras da abordagem científica e naturalista. Nesse sistema, somente os céticos ao transcendente como Hume e Bultmann recebem qualquer reconhecimento. O resto é descartado como irrelevante.

Por último, a Modernidade é universalista. Aceita que seus achados transcendem ao tempo e ao espaço. Devido a essa visão é que a Modernidade, de acordo com D. A. Carlson, adotou a dialética marxista da história, a teoria Helegiana do espírito universal, a visão pós-Iluminista do progresso e a teologia liberal que aceita como factível apenas o que é julgado racional e “científico”. Aqueles que se recusam à ditadura da Modernidade são imediatamente rotulados: medievais, supersticiosos, reacionários. A tolerância da Modernidade se restringe aos limites impostos por ela; quem fugir deles percebe rapidamente sua intransigência. Mas, voltemos ao programa da MTV.

Entendendo a intolerância

Por que tanta intolerância à ética judeu-cristã? Por que tanto incômodo à cosmovisão religiosa? O problema reside nos pressupostos transcendentais. O cristianismo baseia-se na revelação de uma lei moral, outorgada por um Deus que não pode ser definido como parte de minha humanidade (humanismo), reduzido a uma energia (naturalismo) ou mera projeção mítica (neurose freudiana). A premissa cristã que propõe a Revelação, o conhecimento do transcendente como um valor epistemológico, bate de frente com a Modernidade. O cristão sabe que sabe por Revelação. Pedro já asseverava no primeiro século: “Porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens (santos) falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.20). Contrariamente, na Modernidade, a verdade religiosa não é factível, é questão de opinião. Nunca ninguém pode estar absolutamente certo sobre os assuntos espirituais. Portanto, religião não pode participar do debate público; deve manter-se reduzida à arena dos juízos e dos sentimentos; não é demonstrável nem refutável.

A revelação da lei moral de Deus, caso aceita, obrigaria as pessoas a lhe obedecer, acabando com a noção de preferência. A Modernidade propõe que a lei moral seja uma construção humana, restrita à cultura e ao tempo de sua elaboração; caso aceitasse que provém de Deus reconheceria que todos, em todas as épocas, deveriam lhe obedecer.

Sponville diz que uma ditadura imposta pela força é um despotismo; se ela se impõe pela ideologia, um totalitarismo. O problema da Modernidade é que, mesmo sem querer, vem se tornando cada dia mais déspota e totalitária. Não somente rechaça os valores da ética cristã, como tenta forçar seus pressupostos como únicas opções válidas, por serem “cientificamente irrefutáveis”. O homossexualismo, por exemplo, é hoje discutido como uma questão de mutação do código genético, descartando a moral.

Os militantes gays conseguiram manter o debate no nível “científico”. Nessa esfera, basta provar uma alteração nos genes e está tudo resolvido: “O homossexual foi programado, na evolução, para agir daquele modo e não há como interferir em suas preferências”. Mas o pleito homossexual é pequeno diante das implicações dessa nova ditadura. Carlson propõe em seu livro The Gagging of God (O Amordaçar de Deus) que experimentamos uma nova espécie de intolerância. Em sociedades relativamente livres e abertas, a tolerância mais nobre é aquela exercitada para com as pessoas, mesmo quando se discorda de seus pontos de vista. “Essa robusta tolerância para com as pessoas, mesmo quando há forte desacordo às suas idéias, gera uma medida de civilidade no debate público, mesmo quando a discussão é apaixonada”. Para Carlson, o ocidente vive hoje uma tolerância somente de idéias, não mais das pessoas. As idéias são admitidas, só não se admitem pessoas diferentes (criam-se as tribos); à roda sentam-se sempre os mesmos.

O resultado de se adotar esse novo tipo de tolerância é que há menos discussão dos méritos de idéias conflitantes, e menor civilidade. Há menos discussão porque a tolerância de idéias diversas exige que evitemos criticar as pessoas por adotarem aquelas idéias. Assim, a Modernidade vai admitindo excentricidades, loucuras e comportamentos bizarros. Ninguém tem o direito de dizer nada sobre o comportamento de ninguém. Só há problema quando qualquer idéia tenta provar sua superioridade sobre qualquer outra. Imediatamente, o mundo cai. Exclusividade é intolerável na modernidade, principalmente no campo religioso. A palavra proselitismo (na sua concepção técnica) virou palavrão. Cada um na sua. Desde que você não se intrometa com o meu estilo de vida. Ninguém precisa mudar, pois todas as opções religiosas, morais, éticas, filosóficas são válidas, não porque sejam verdadeiras, mas porque todas são igualmente questionáveis. Voltaire dizia: “O que é tolerância? É o apanágio da humanidade. Somos todos feitos de fraquezas e erros; perdoemo-nos reciprocamente nossas tolices (grifo meu), é esta a primeira lei da natureza.”

O resultado disso tudo é um mundo cada vez mais inconseqüente quanto à sua ética, cada vez mais secularizado e cada vez mais intolerante para com a fé cristã, mascarando seu discurso exclusivista e proselitista. Enquanto afirma que não há mais absolutos, insiste que está absolutamente certo disso.

Saí do programa da MTV dizendo para mim mesmo: “Incrível como os liberais são fundamentalistas na defesa dos seus posicionamentos. Intolerantes! Não aceitam que seus pontos de vista sejam questionados por outros que pensam diferentemente. Talvez tenham medo de estar errados.”

Ricardo Gondim Rodrigues é pastor da Igreja Assembléia de Deus Betesda no Brasil

e mora em São Paulo. É autor de O Que os Evangélicos (Não) Falam.

Extraído da edição 244 (janeiro/fevereiro 1997) da revista Ultimato

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1 comentário

  1. O assunto da homo, bi ou transsexualidade tem sido abordado de um modo errado.
    Não é que seja um pecado nem que não o seja, o que é
    É ALGO QUE ESTÁ FORA DE CONTEXTO.
    Mas, segundo o caso que seja examinado, TAMBÉM A HETEROSSEXUALIDADE ESTÁ FORA DE CONTEXTO!
    O assunto é extenso e não dá para expô-lo de um modo que seja razoavelmente detalhado para os que estão muito interessados nisso, nem tão curto que alguém que só tem uma curiosidade consiga lê-lo até o final. Se fosses dos que estão muito interessados, podes visitar meu sítio web, onde está exposto extensamente
    http://abc.de.deus.googlepages.com
    Para dizê-lo laconicamente: O SER HUMANO, DEVIDO AO PLANO NO QUAL FOI POSTO POR UM SER SUPERIOR AO QUE COSTUMAMOS CHAMÁ-LO PELO NOME DE DEUS, PODE SE INSERIR NELE EM UMA DE DUAS CONDIÇÕES: COMO REPRODUTOR DE MAIS SERES HUMANOS (Gn 1.28), NO QUE QUALQUER ATIVIDADE FORA DA HETEROSSEXUALIDADE NÃO O CONSEGUE (E, PORQUE NÃO O CONSEGUE, ESTÁ BANIDA); OU, COMO REPRODUTOR DE MAIS ESPÍRITO, SEM QUALQUER PRETENSÃO DE EXERCÍCIO DE FUNÇÕES REPRODUTIVAS (Gn 2.15; Is 54.1 em diante; Mt 19.11 e 12 e 22.30; Lc 20.35 e 23.29), NO QUE TODA ATIVIDADE SEXUAL ESTÁ BANIDA, ATÉ MESMO AS HETEROSSEXUAIS.
    O problema da homofobia tem sido mitificado para o benefício dos GLBTS. Porque, bem que eu não tenha o direito de sentir repulsão por alguém, também não tenho obrigação de gostar de alguém… ou, de qualquer um. Seja essa pessoa do meu mesmo sexo, ou diferente. Porque, sendo eu homem e heterossexual, se não gosto de alguns outros homens, e tenho o direito de não gostar de alguém porque ninguém pode me pôr a obrigação de gostar de todo o mundo, assim como também ninguém tem a obrigação de gostar de mim, também não gosto de algumas mulheres: não porque eu seja heterossexual uma lei pode me obrigar a eu gostar de toda e qualquer mulher e ter que tomar toda mulher para parceira sexual de mim, e, se eu não gostasse de alguma mulher (e com isto eu quero dizer que A RECHAÇO COMO PARCEIRA SEXUAL), uma lei pôr-me na jaula por um hipotético delito de “fêmea-fobia”. A tolerância implica que eu não parta para a agressão física por causa de minha repulsa a alguma conduta da que não gosto, mas que, não me agrida fisicamente a mim. Se me agredisse moralmente, pois, OLHAR PARA OUTRO LADO; quando for possível. E; o “olhar para outro lado” não pode ser tido por “homofóbico”; pois eu tenho o direito de vigiar pela minha própria integridade moral e não permitir que ela seja “amaciada”, até chegar levar-me a compactuar, e, no final, a praticar o que acho ser moralmente repreensível. Que é a política que vêem praticando os GLBTS: eles não querem ficar só em ter a liberdade e o direito de fazer o que querem fazer, senão que os outros tenham a obrigação de fazer o que eles acham que devem fazer; que consiste em fazer aquilo que dá prazer às suas inclinações sexuais. Achando que são os outros os que devem mudar de inclinações, mas eles não. Aí está o miolo do assunto: tanto heterossexuais como GLBTS sentem-se no certo e os outros no errado; cada um merece (merecemos) ao outro porque temos as mesmas pretensões: DE SER POSSUIDORES DA VERDADE; então, ninguém pode se queixar. Há um ensinamento básico: PARA QUERER TOLERÂNCIA DEVEMOS DÁ-LA.
    O problema é que os GLBTS querem ser muito mais do que aceitos em suas inclinações sexuais: ELES QUEREM SER CELEBRADOS, QUE BATAM PALMAS PARA ELES. Querem mesmo, é ser considerados SUPERIORES. E; para fundamentar isto, vejam o que aconteceu faz algum tempo na Austrália: lembra do caso que alguém que tinha AIDS(SIDA) quis entrar e foi barrada a sua entrada por causa dessa doença? Imediatamente houve um protesto argumentando que isso era “discriminatório” -e não sei que mais- contra os GLBTS porque essa doença é típica desse setor da humanidade. Porém, ninguém dos que não são GLBTS nunca fez um protesto por discriminação quando é barrado de entrar num país qualquer que exige vacinação contra alguma outra doença -como, a varíola- e não tem certidão de vacinação. E veja-se a diferença: NÃO É QUE SEJA BARRADO POR ADOECER DESSA DOENÇA, SENÃO APENAS POR NÃO TER A CERTIDÃO DE VACINAÇÃO. Mas, os GLBTS querem ser especiais, superiores. Quando é a doença que é típica deles -ainda que não a seja exclusiva deles- eles querem que qualquer país tenha a obrigação de aceitá-los e dar-lhes a bem-vinda.
    ELES ULTRAPASSAM A BARREIRA DO SENSATO, E DO JUSTO, E DO IGUALITÁRIO, PARA ESMAGAR AOS QUE NÃO SÃO COMO ELES, E PÔ-LOS EM UMA CONDIÇÃO DE SÚBDITOS, DE VASSALOS, SERVOS.
    Agora, a moderação não incomoda, ela é necessária para o convívio em paz. O problema consiste em que os GLBTS têm ido além da moderação -a uma agressão de sensibilidades- com suas manifestações de “orgulho gay”; mas, os outros, também. E; já não de sensibilidades, mas, do físico- quando agredindo GLBTS. Só que, se uma é injustificada, a outra também; mas, isso obriga a ver o assunto desde o outro lado do espelho, se a uma é justificada, então, a outra também. Daí que devamos ser cuidadosos: os dos dois grupos.
    E; para os que condenam os GLBTS invocando as Escrituras -a Bíblia- devemos ter em conta que qualquer atitude, seja de castigo, ou qualquer outra em relação a eles, é privativa de DEUS; não dos homens.
    João Mensageiro de DEUS para estes dias

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